Conferência em Lisboa analisa os desafios e oportunidades para a comunidade científica em tempos de instabilidade política mundial
A interseção entre ciência e política internacional tem se tornado cada vez mais complexa nos últimos anos. Em meio a crescentes tensões geopolíticas globais, pesquisadores e instituições científicas enfrentam novos desafios para manter colaborações internacionais vitais e garantir o avanço contínuo do conhecimento. Foi exatamente este panorama desafiador que motivou a realização da conferência “Caminhos do Conhecimento 2025”, um evento de relevância internacional que acaba de acontecer em Lisboa, Portugal.
O Encontro que Reuniu Mentes Brilhantes em Lisboa
Realizada nesta quinta-feira, 15 de maio de 2025, a conferência “Caminhos do Conhecimento 2025” transformou a capital portuguesa em um centro de debates sobre o futuro da ciência global. O evento, organizado pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, reuniu mais de 200 especialistas de 35 países, incluindo cientistas renomados, representantes diplomáticos, líderes acadêmicos e formuladores de políticas públicas.
A programação do evento foi cuidadosamente estruturada em três eixos principais:
- Impactos dos conflitos armados na infraestrutura científica
- Estratégias para manutenção de colaborações internacionais em períodos de crise
- Políticas de proteção e acolhimento para pesquisadores deslocados
A Ciência sob Fogo: O Caso Ucraniano como Estudo Central
Um dos tópicos mais debatidos durante o evento foi a situação da comunidade científica ucraniana. Desde o início do conflito no país, universidades foram danificadas, laboratórios destruídos e milhares de pesquisadores foram forçados a abandonar seus trabalhos e buscar refúgio em outros países.
“Mais de 85% da infraestrutura de pesquisa em regiões de conflito na Ucrânia foi severamente comprometida nos últimos anos”, destacou a Dra. Olena Kovalenko, pesquisadora ucraniana atualmente trabalhando no Instituto de Física da Universidade de Lisboa. “Perdemos décadas de trabalho em questão de dias, com a destruição de equipamentos, amostras e dados que não podem ser facilmente substituídos.”
O evento trouxe à tona histórias de resiliência, como o programa “Ciência sem Fronteiras de Guerra”, que já acolheu mais de 1.500 cientistas ucranianos em instituições parceiras pela Europa. Os resultados preliminares mostram que, apesar das adversidades, esses pesquisadores conseguiram manter uma produção científica significativa, demonstrando a importância de redes de apoio internacional.
O Impacto da Geopolítica nas Colaborações Científicas Globais
A conferência abordou de forma aprofundada como as tensões geopolíticas afetam múltiplos aspectos da produção científica internacional:
Financiamento da Pesquisa
O Dr. António Silveira, coordenador do Observatório Europeu de Política Científica, apresentou dados preocupantes: “Observamos uma redução de aproximadamente 38% nas pesquisas multinacionais em áreas consideradas estratégicas ou sensíveis nos últimos três anos.” Essa tendência reflete um movimento de nacionalização da ciência, com governos priorizando investimentos em pesquisas com potencial aplicação em segurança nacional.
Mobilidade Acadêmica
A mobilidade de pesquisadores, essencial para o intercâmbio de conhecimentos, também tem sido severamente afetada. Restrições de visto, suspensão de programas de intercâmbio e preocupações com segurança criaram novas barreiras para conferências presenciais e estágios de pesquisa internacional.
“Precisamos urgentemente repensar nossos mecanismos de colaboração científica para que sejam mais resilientes a crises geopolíticas”, afirmou a Professora Maria Carvalho, diretora do Centro de Estudos Internacionais da Universidade de Lisboa. “As plataformas digitais oferecem alternativas, mas não substituem completamente o valor do trabalho presencial colaborativo.”
Acesso a Dados e Recursos
Outro ponto crítico discutido foi o impacto das tensões internacionais no compartilhamento de dados científicos. Especialistas alertaram para a crescente tendência de restrições ao acesso a bancos de dados internacionais e amostras de pesquisa, prejudicando particularmente estudos em áreas como mudanças climáticas, saúde global e astrofísica, que dependem intrinsecamente de colaboração transnacional.
Estratégias para Proteger a Ciência em Tempos de Conflito
A conferência não se limitou a diagnosticar problemas, mas avançou significativamente na proposição de soluções. Entre as principais estratégias discutidas estavam:
Diplomacia Científica
O conceito de “diplomacia científica” ganhou destaque como ferramenta potencial para manter canais de comunicação abertos mesmo quando relações diplomáticas formais estão tensas. “A ciência tem uma linguagem universal que pode construir pontes onde a política tradicional falha”, destacou o embaixador Carlos Lopes, representante português na UNESCO.
Fundos de Emergência para a Ciência
Foi proposta a criação de um fundo internacional de emergência específico para resgate e preservação de pesquisas ameaçadas por conflitos. Este fundo poderia financiar a transferência segura de dados, equipamentos e pesquisadores de áreas de risco, além de garantir a continuidade de projetos críticos.
Redes Descentralizadas de Pesquisa
Especialistas em governança científica defenderam modelos mais descentralizados de colaboração, permitindo que projetos multinacionais continuem mesmo quando parte da rede é afetada por instabilidades políticas. “Um modelo de pesquisa distribuído geograficamente, com redundância de dados e competências, aumenta significativamente a resiliência da ciência global”, explicou o Dr. Paulo Martins, especialista em políticas científicas.
O Brasil no Contexto da Ciência em Tempos de Crise Global
A participação brasileira na conferência foi expressiva, com representantes de importantes instituições como USP, UFRJ, Fiocruz e CNPq. A delegação nacional apresentou a experiência do país na construção de redes científicas Sul-Sul como alternativa para diversificar as colaborações internacionais e reduzir vulnerabilidades geopolíticas.
“O Brasil tem potencial para ser um ator-chave na construção de uma nova arquitetura de cooperação científica global, menos suscetível a perturbações políticas entre as grandes potências”, afirmou a Dra. Fernanda Rodrigues, pesquisadora da FAPESP presente no evento.
A experiência brasileira com programas como o PROEX-Ciência, que manteve colaborações científicas ativas mesmo durante períodos de tensão diplomática, foi destacada como exemplo de boas práticas a serem consideradas internacionalmente.
Implicações para o Futuro da Pesquisa Global
As conclusões da conferência apontaram para um futuro onde a resiliência será tão valorizada quanto a excelência na ciência. Os participantes enfatizaram que instituições científicas precisarão desenvolver planos de contingência mais robustos e diversificar suas redes de colaboração para mitigar riscos geopolíticos.
“A ciência não pode ser refém de disputas políticas. Precisamos de estruturas internacionais que garantam zonas neutras para o conhecimento, semelhantes ao que temos para áreas como a Antártida”, defendeu o Dr. João Mendes, presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências.
O Papel da Sociedade Civil e da Comunicação Científica
Um aspecto inovador abordado pela conferência foi a importância da sociedade civil na proteção da ciência durante crises. O engajamento público foi apontado como elemento crucial para pressionar por políticas de proteção ao conhecimento científico e seus produtores.
“Quando cidadãos compreendem o valor da ciência para resolver desafios globais, tornam-se defensores naturais da cooperação científica internacional”, destacou a Dra. Isabel Lopes, especialista em comunicação científica.
Conclusão: Um Chamado à Ação para a Comunidade Científica Mundial
A conferência “Caminhos do Conhecimento 2025” encerrou-se com a assinatura da “Declaração de Lisboa sobre Ciência e Paz”, um documento que estabelece compromissos concretos para proteger a integridade da pesquisa científica em contextos de instabilidade geopolítica.
Entre os princípios estabelecidos estão a criação de um sistema de resposta rápida para cientistas em risco, o desenvolvimento de protocolos para preservação digital de dados científicos ameaçados por conflitos e a implementação de mecanismos de financiamento mais flexíveis para adaptação às realidades geopolíticas em constante mudança.
“Esta conferência não é apenas um espaço de reflexão, mas um ponto de partida para ações concretas que transformarão a maneira como fazemos ciência em um mundo cada vez mais complexo e fragmentado politicamente”, concluiu o Professor António Ferreira, presidente do comitê organizador.
O próximo encontro do “Caminhos do Conhecimento” já está agendado para maio de 2026, em Berlim, quando os primeiros resultados das iniciativas propostas em Lisboa serão avaliados.